Na estrada novamente. Mochila nas costas, sem dinheiro no bolso, mas cabelo ao vento. Chile na década de 80, ditadura Pinochet. Cruzava com muitos estudantes e israelenses viajando. Me chamava a atenção da quantidade de israelenses viajando pelo Chile. Um dos meus poetas favoritos era e é, Pablo Neruda. Li todos os livros desse admirável escritor: Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada, Cem Sonetos de Amor, Confesso que Vivi e Canto General. No Chile sabia recitar de cor os poemas de Neruda. Com isso conquistei amigos e portas se abriram. Neruda sempre foi muito querido, especialmente pelos jovens da resistência chilena à ditadura Pinochet.
E lá estava eu, com Neruda e poemas na cabeça, no sul do Chile, a caminho para Santiago. Era uma zona rural, estrada de chão e poeirenta. Havia passado um tempo na Ilha de Chiloé e agora pensava em como e quando iria conseguir uma carona. Era de tarde, fazia sol e um calor agradável. Caminhava pela estrada observando os pássaros e apanhando amoras à beira da estrada. Entre tantas coisas boas, o Chile tem frutas à beira da estrada, e as amoras são delicatéssen. Vocês não imaginam a importância dessas frutas para quem viaja de carona e sem dinheiro. Até hoje, quando posso, planto árvores de frutas à beira da estrada pensando que alguém pode passar e precisar de algo para comer.
Após andar por alguns quilômetros, sem passar nenhum carro, encontrei um grupo de cerca de 10 Chilenos. Todos jovens como eu, a maioria estudantes. Todos esperando carona. Pensei comigo, agora mesmo que não consigo uma carona. Fui recebido com alegria, conversamos animadamente, e logo me integrei ao grupo. Estavam quase todos retornando à Santiago. Para minha surpresa, não estavam nem aí para quando haveria uma carona. Após cerca de 1 hora ali parados, rindo muito e conversando um velho caminhão se aproxima pela estrada, fazendo um rastro de poeira branca. Todos se levantam e começam a gritar alegremente. Como éramos em mais de 10, imaginei que ainda ficaria um bom tempo na estrada esperando pela próxima carona.
O velho caminhão, com o velho motorista, uma carroceria alta de madeira, parou ao lado de onde estávamos. Sem cerimônia todos pularam na carroceria e eu fui também. Alguém me puxou para cima da carroceria. Assim que subi senti um cheiro estranho. Caminhão de porcos! Uns se sentaram acomodando as costas ao alambrado de madeira da carroceria, outros ficaram em pé pulando e gritando. Chilenos locos! Ninguém parava de falar, uma balbúrdia. Achei graça disso tudo. Essa alegria espontânea, genuína - o simples prazer de estarem juntos, dos encontros nas estradas e dos desencontros mais a frente. Estava a vontade e relaxei, sentado com as costas apoiada na mochila.
Assim íamos pela estrada, o caminhão chacoalhando, aquele cheiro de porco no ar, e no chão do caminhão, ainda com restos de fezes secas de porcos, felizmente secas. Olhava a poeira que o caminhão fazia atrás na estrada quando de repente o velho motorista coloca a mão para fora e começa a socar a lataria do caminhão. Imediatamente, como num código secreto, todos se calam e se deitam no chão da carroceria. O silêncio reina. Só o barulho do caminhão rangendo pela estrada. Levantei a cabeça e mais a frente vi um posto da temida polícia chilena de Pinochet.
O caminhão diminuiu velocidade para passar em frente ao posto, e enquanto passava todos, mas todos, começam juntos a emitir sons de porcos. - Oinc, oinc, oinc. Para o olhar espantado do policial sentado na cadeira em frente ao posto. Era como um bando de porcos excitados, e o barulho não era pouco. Até hoje me pergunto se o guarda acreditou se eram realmente porcos. Afinal a imitação nem era muito boa. Passando o posto todos caíram na gargalhada. Alguém acendeu mais um baseado e assim continuamos a viagem. Mais a frente desci do caminhão. Pretendia pegar um trem que ia à Valdívia, antes de chegar à Santiago. Despedi-me de todos, não sem antes dois amigos me darem o endereço da casa deles, num bairro operário de Santiago. Ainda nos encontraríamos no final da minha viagem pelo Chile. Assim deixei o caminhão de porcos alegres, porcos amigos e queridos que fiz no Chile.
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